Dando sequência ao projeto Elas no CNJ, a nossa segunda entrevistada é a Secretária-Geral do CNJ, Dra. Adriana Cruz. A entrevista abordou os seguintes temas: início na carreira jurídica; trajetória profissional; principais projetos; atuação; e, por fim, o que pode ser feito para ampliar a participação de mulheres no Poder Judiciário.
Início da carreira
· Graduada em Direito pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), onde seu pai também se formou, construiu uma sólida base acadêmica;
· Mestre em Direito Constitucional na PUC-Rio e o Doutora em Direito Penal pela UERJ;
· Desde os tempos de faculdade, o objetivo de ingressar na magistratura estava claro, buscando fazer a diferença no Judiciário;
"Desde o início da faculdade, eu sabia que queria ser juíza federal. Não foi um caminho fácil, mas nunca perdi de vista o meu objetivo."
· Iniciou sua carreira na Procuradoria do Banco Central, onde adquiriu a experiência necessária para ingressar na magistratura federal;
· Aprovada no concurso para a magistratura federal na 1ª Região, foi inicialmente lotada na Seção Judiciária do Distrito Federal;
· Em 2002, transferiu-se para o Rio de Janeiro, sua cidade natal, onde assumiu a titularidade da 5ª Vara Criminal em 2014;
"Eu poderia estar em qualquer outro lugar, mas eu escolhi estar no Judiciário. Eu sei que é uma instituição que tem os seus próprios códigos e regras, dentro de determinados limites. É claro que eu respeito isso, senão não estaria aqui."
· Sentiu, no início, a necessidade de se conformar aos padrões estabelecidos, adaptando sua aparência e comportamento para ser aceita;
“Em um primeiro momento, achei que precisava me encaixar para ser aceita. Eu queria fazer parte daquele espaço e não destoar, então conformei minha aparência e comportamento para atender às expectativas alheias."
"Ser uma mulher negra no Judiciário é enfrentar diariamente um sistema que não foi feito para nós. Mas é exatamente por isso que precisamos estar aqui."
· Adotava uma postura discreta, com cabelo alisado e adereços sutis, buscando se encaixar e ser aceita em um espaço onde as expectativas eram rigidamente definidas;
"É muito difícil ser diferente; isso traz um custo muito grande, com um ônus elevado e que se manifesta em várias camadas."
· Com o tempo, passou a afirmar sua identidade de forma mais autêntica, enfrentando as reações preconceituosas que surgiram;
· Como mulher negra, enfrentou micro agressões constantes no ambiente de trabalho, o que a forçou a adotar uma postura vigilante. Suas reações precisavam ser calculadas para evitar mal-entendidos e manter sua dignidade em um espaço muitas vezes hostil;
· Esse processo de afirmação pessoal foi crucial para sua trajetória, à medida que ela se recusou a ser moldada pelo preconceito;
"A presença de uma mulher negra em certos espaços é vista como uma afronta. Não é fácil, mas eu escolhi não me deixar moldar pelo olhar preconceituoso dos outros."
"A gente não consegue sobreviver, não consegue existir em plenitude nesses espaços com dignidade se a gente não tiver uma rede muito poderosa de afetos."
Trajetória profissional
· Fez história ao se tornar a primeira mulher e a primeira mulher negra a ocupar o cargo de Secretária-Geral do Conselho Nacional de Justiça (CNJ);
· Durante a pandemia de COVID-19, contribuiu para a formulação da disciplina "Direito e Relações Raciais" na PUC-Rio, uma iniciativa inovadora para promover o debate sobre questões raciais no meio jurídico;
"A criação da disciplina 'Direito e Relações Raciais' foi um marco na universidade em que leciono para incluir essas discussões tão necessárias na formação jurídica."
· Desde 2017, tem atuado no coletivo Enajun (Encontro Nacional de Juízas e Juízes Negros), ao lado de outros magistrados, para aumentar a representatividade negra na magistratura;
"O Coletivo de Juízes Negros não é uma associação, nós assumimos o compromisso de pautar de forma crítica e responsável a falta de diversidade no Judiciário e a necessidade de reflexão sobre o que se produz como decisão para o jurisdicionado”.
· Como secretária-geral do CNJ, integra os Comitês Executivos do Observatório de Direitos Humanos do Poder Judiciário e do Fórum Nacional do Poder Judiciário para a Equidade Racial, onde participa da formulação de políticas públicas que promovem a justiça social;
· Tem sido uma voz ativa em diversas iniciativas voltadas para a equidade racial e de gênero, incluindo o desenvolvimento de um protocolo de julgamento com perspectiva racial.
"Estamos construindo um protocolo de julgamento com perspectiva racial para apoiar a atuação da magistratura na construção de um judiciário cada vez mais equitativo”
Principais projetos em sua carreira
Observatório de Direitos Humanos do CNJ: Durante a gestão do Ministro Luiz Fux, a Dra. Adriana Cruz participou ativamente do Observatório de Direitos Humanos do CNJ, um órgão de assessoramento da Presidência. O Observatório tem como objetivo traduzir as demandas da sociedade civil para a linguagem do Conselho, garantindo que essas demandas sejam levadas em consideração na formulação de políticas públicas;
Letramento Racial e Protocolos de Julgamento: Defensora do letramento racial no Judiciário, tem promovido ativamente a inclusão de questões raciais na formação de magistrados e o desenvolvimento de um protocolo de julgamento com perspectiva racial;
"Essa demanda surgiu a partir dos movimentos direcionados ao Observatório de Direitos Humanos, que assessora a Presidência do CNJ. Na época, eu integrava o Observatório durante a gestão do Ministro Fux. O papel do Observatório é traduzir as demandas da sociedade civil para a linguagem do Conselho."
"Sempre acreditei que o Judiciário deve refletir a diversidade da sociedade que ele serve. Se ele não é inclusivo, ele falha em sua missão fundamental."
"O letramento racial é uma ferramenta essencial para garantir que a justiça seja verdadeiramente igualitária e reflita a diversidade da nossa sociedade."
Dados e Políticas Judiciárias: enfatizou a importância da produção de dados que tem sido feita pelo CNJ. Em 2013, por exemplo, foi realizado o primeiro “Censo” do Poder Judiciário, mas que não trouxe informações sobre o quantitativo de mulheres negras no Judiciário. O dado foi compilado pelo CNJ em 2018, quando foi registrado que apenas 2% das magistradas se autodeclararam negras, o que representava menos de 20 mulheres na Justiça Federal, como ressaltou a juíza.
"Os dados não dizem tudo, mas precisam ser o ponto de partida para construir outras realidades"
Defendeu a política de paridade de gênero, visando garantir maior presença feminina em posições de liderança no Judiciário;
"Garantir que mulheres ocupem posições de liderança não é apenas uma questão de justiça, mas de eficiência. Um Judiciário que exclui vozes femininas é um Judiciário que falha."
"A mudança começa quando entendemos que a paridade não é um favor, mas uma necessidade para um Judiciário mais forte e representativo."
O que já foi feito para ampliar a participação feminina no Poder Judiciário?
· Resolução da Paridade: Ressaltou que um dos principais marcos foi a Resolução da Paridade (Resolução CNJ n. 540/2023) a qual é fundamental para assegurar que as mulheres tenham maior representação nos processos de promoção e indicação para cargos de liderança no Judiciário;
· Promoções de Mulheres: Entende que, com a implementação da Resolução da Paridade, ocorreram mais promoções de mulheres no Judiciário, resultado direto das listas de promoção exclusivas para o público feminino. Essas medidas, em sua visão, buscam corrigir a persistente sub-representação feminina nos cargos superiores do Judiciário.
"Promover a igualdade no Judiciário vai além de abrir portas; trata-se de garantir que as mulheres que entram sejam reconhecidas e valorizadas por seu verdadeiro mérito."
· Participação em Colegiados: Outro avanço significativo destacado foi a maior participação das mulheres em colegiados e comissões dentro do Judiciário. A Secretária-Geral enfatizou a importância de as juízas terem oportunidades reais de demonstrar seu trabalho e competência nessas instâncias, frequentemente dominadas por homens;
"A gente precisa, em alguma medida, ter oportunidade das convocações para mostrar ao que a gente veio, o nosso trabalho, mostrar que a gente merece ser promovida também pelo merecimento."
· Criação de ambientes inclusivos: A Secretária-Geral também abordou a necessidade de criar ambientes de trabalho mais inclusivos e seguros para as mulheres no Judiciário. Ela enfatizou que as mulheres devem ter a liberdade de desempenhar seus papéis com dignidade e respeito, sem serem moldadas por expectativas alheias ou estereótipos de gênero;
"É fundamental que criemos ambientes onde as mulheres possam ser o que são, sem serem moldadas por expectativas alheias."
· Envolvimento do CNJ: Mencionou que o CNJ tem demonstrado um compromisso contínuo em promover e implementar políticas voltadas para a equidade de gênero no Judiciário;
"O Ministro Barroso abraçou a questão [da paridade], acompanhando muito de perto o cumprimento da Resolução.”
O que pode ser feito para ampliar a participação feminina no Poder Judiciário nos Tribunais Superiores?
· Letramento Racial e de Gênero: Destacou que discutir justiça sem abordar as desigualdades estruturais que permeiam a sociedade é insuficiente;
"Não podemos falar de justiça se ignoramos as desigualdades que permeiam nossa sociedade; o letramento racial e de gênero é fundamental.”
"O avanço da mulher no Judiciário é uma luta coletiva. Cada conquista deve abrir espaço para muitas outras. Não podemos parar até que a igualdade seja a regra, não a exceção."
· Ambientes que Promovam a Plena Competência Feminina: Para a Secretária-Geral, criar ambientes onde as mulheres possam exercer plenamente suas competências é essencial para promover a equidade nos Tribunais Superiores. Isso inclui políticas que não apenas garantam o acesso das mulheres a essas instâncias, mas que também assegurem que suas contribuições sejam devidamente valorizadas e reconhecidas, promovendo uma justiça mais inclusiva e de qualidade;
"A verdadeira transformação no Judiciário começa quando as mulheres, ao ocuparem posições de poder, usam essas conquistas para redefinir os espaços, abrindo caminho para que outras também prosperem."
· Compromisso Institucional: Ela ressaltou que a promoção de uma cultura de igualdade depende de um compromisso institucional forte. O exemplo do CNJ demonstra a importância de uma liderança comprometida em garantir o cumprimento das políticas voltadas para a equidade de gênero. A Secretária-Geral sublinhou a necessidade de continuar esse esforço para construir um Judiciário mais representativo e justo;
"A caminhada é longa e cheia de desafios, mas cada passo vale à pena”
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